“O amor nos faz adolescentes, tudo de novo.”, disse Nené cortando um pedaço de queijo minas com uma faca. Apoia o pedaço com o dedão e leva à boca.
“Quem ama nunca envelhece?” perguntou a mocinha da aula de física. Ela se mostrava interessada. Observou todo o caminho do queijo minas até a boca do rapaz. Com os olhos, acariciou as bochechas de Nené.
“Envelhece, mas envelhece com friozinho na barriga.”
“Você está sentido isso agora?” a menina não desviou o olhar dos olhos do colega. Nené não sabia mais o que fazer com o queijo, que ainda estava na boca. Olhou para baixo, limpou a garganta e disse gaguejando:
“A-agora?”
Não precisava dizer mais nada. Bonitinha apenas sorriu e deixou o silêncio tomar conta das almas inquietas. Estavam sozinhos na penumbra da cozinha de uma casa mal acabada. Raios do sol poente escapavam pelas frestas da janela, suspendendo pequenos pedaços de poeira. Quartel general da revolução estudantil, a casa delimita o fim da área de uma ocupação ilegal. Atrás dela amontoam-se famílias esperançosas. Dentro da casa se produz planos para um Brasil melhor e gabaritos para prova de cálculo.
“Como assim? Por quê? Acho que não.” respondeu nervoso que só. O dicionário passava pela cabeça do rapaz, mas ele não conseguia definir em que ordem as palavras deveriam ser combinadas. Deixou que elas se encontrassem sozinhas.
“Se eu gosto de você?” essa pergunta levou dois fôlegos de um homem para ser dita. Ainda assim, o ar continuava escarço.
Percebendo tudo, a estudante de física continuou sorrindo. Deixou o rapaz se atropelar. Ela também não sabe exatamente o que quer. Ainda não é o momento de dizer nada. O momento é de assistir, encantada, àquela demonstração feia e tão bonitinha. Colocou a mão no braço do rapaz e disse:
“Quer um copo d'água?”
O que ela queria dizer com isso? Ela gosta ou não gosta? Ela está com sede ou não está? O que pode ser dito? O que tem de ser dito agora? Quais as opções? Melhor dizer sim: “Quero sim, por favor.” respondeu desviando o olhar para a mesa. A mocinha levantou-se e pegou dois copos de uma prateleira.
Bonitinha provavelmente não sentia o mesmo que Nené. O que ela diria a ele? Melhor não alimentar algo que ela pode não cumprir. Será que ele acha que há esse calor todo entre os dois? O que será que está havendo? A colega de sala tinha dúvidas muito sérias, objetivas e profissionais. Algumas envolviam ela gostar de Nené, mas a maioria passava longe. O rapaz só queria água.
Depois de uma era de silêncio, ela se sentou à mesa com dois copos cheios. Ofereceu um a Nené, que tomou dois goles. Que água que nada; nem com sede estava! Não pensou em nada para dizer, então tomou mais um gole.
“Eu adoro essas coisas de política.” afirmou Nené desesperado. Doido pela aprovação da moça, que era uma conhecida ativista. Daquelas que estão onde quer que haja um cartaz hasteado.
“Que coisas?” perguntou a garota, sem saber as mil associações que passavam na cabeça de Nené. Pois agora ele teria que fazer mil e uma para respondê-la.
“Você não gosta? É que, tipo, por exemplo, é...” — em respeito a Nené, prefiro cortar por aqui o diálogo. Faço também com o seu interesse em mente. Você poderia sofrer um ataque de aflição.
Obrigada a ouvir o que Nené dizia, a menina perdia o interesse a cada nova palavra. Lá pelas tantas, já angustiada pela conversa, pensou: eu não sei muito bem nem o que achar. Impossível se deixar levar. Não há com que se envolver. Não há ritmo. Estamos trocando uma série de frases truncadas. Há algum sentido nelas, mas nenhum nexo. O que ele está tentando dizer? Nem sei mais se ele gosta de mim. Vai ver ele só é estranho mesmo.
Pois na cabeça de Nené tudo estava estranho. Talvez houvesse alguma faísca de paixão no começo da conversa, mas agora só há pedidos de desculpa em forma de argumentos. Danças de acasalamento disfarçadas de desculpas. Nada mais faz sentido. Lindinha não é mais uma pessoa: é um pensamento.
Neste momento Nené entrou em um estado de sono absoluto, onde tudo que fosse sentimento seria embaralhado na cabeça e transformado em desespero. Ajudem-me! Gritavam todas frases do rapaz; sem que para isso fosse necessário mudar a postura ou erguer a voz. Não eram mais necessárias duas pessoas naquela sala, uma vez que Nené já havia sido consumido completamente por si mesmo. Portanto, a futura física saiu, sem ser percebida, e nunca mais voltou.
(produzido com análises de Ellen Analítica e Renata Alcantra)