Teodora formou-se em direito. Passou na prova da OAB e virou advogada criminal. No entanto, ela não estava feliz. Que crimes mais mesquinhos ela tratava! Pessoas mesquinhas, infantis, tristes. Por que alguém escolheria conviver com assassinos, presidiários, enfim, a escória da sociedade? Isso não está bom.
Resolveu que deveria ser professora universitária. Conviver com jovens pensadores. Futuros filósofos, historiadores. Chega de direito. Vou fazer mestrado em filosofia, pensou.
Estudou Platão, Sócrates, Nietzsche e tantos outros que ela nem se lembra o nome. Mestrou-se em um deles. Não precisou lembrar dos outros para passar no concurso público para professora universitária. Agora é professora mestre doutora Teodora.
Primeiro dia de aula, que sentimento bom! Gostoso ensinar. Gostoso ver quem quer aprender. Passava dicas, livros e documentos. Lecionava introdução à filosofia para o curso de direito.
Passaram-se meses. Cada vez mais Teodora era digna do epíteto professora. Não mais tratava de burocracias do tribunal. Agora tratava de corrigir trabalhos, atribuir notas e validar atestados médicos -- quem imaginava que em quatro meses de aula tanta gente ficasse doente?
O fim do semestre chegava e era hora de passar o trabalho final da disciplina. Uma dissertação sobre a ementa do curso pareceu apropriado. Assim exigiu. Três semanas é mais que o suficiente para o aluno aplicado que seguiu a disciplina. Até mesmo aqueles que tiveram de faltar algumas aulas por motivos de saúde seriam capazes de se inteirar do que faltava antes de escrever a dissertação.
Nem todos trabalhos eram as reflexões que ela imaginava. Existiam algumas frases interessantes. Entretanto, ela esperava que ver a filosofia pelos olhos daqueles jovens, poderia mudar a essência de sua percepção do mundo -- não foi bem assim. Também, não vamos exigir tanto. São apenas jovens.
Quando já estava perdendo as esperanças, uma dissertação chamou a sua atenção. O autor parecia ser conhecedor do direito. O texto ligava vários conceitos filosóficos de outras épocas à conceitos jurídicos atuais, sem ser enumerativo -- o que era a grande qualidade. A forma não era perfeita, algumas ligações eram forçadas, mas era um texto que fazia pensar. Finalmente uma dissertação como ela esperava: inesperada.
Depois dessa veio outra exatamente igual, depois mais outra. Três cópias da mesma dissertação por três autores diferentes. Teodora marcou uma reunião com os três: Rômulo, Carla e Cornélio. Mandou por e-mail para que ficasse registrado. Ninguém faltaria por falta de aviso.
Quando os três se apresentaram na sala de Teodora, ela começou a conversa:
- A pauta desta reunião é um assunto muito sério: cópia de trabalho universitário. Vocês três entregaram o mesmo trabalho final da disciplina Introdução à Filosofia.
Rômulo disse:
- Eu sou o verdadeiro autor desse trabalho. Eu escrevi todo o texto e coloquei no meu pendrive. Os outros dois devem tê-lo pego na minha mochila e copiado para o laptop deles.
Carla disse:
- Eu que sou a verdadeira autora desse trabalho! Escrevi todo o texto, depois copiei do meu laptop para o computador do xerox e imprimi. Talvez tenha deixado meu trabalho no computador do xerox. Lá acharam e copiaram.
Cornélio disse:
- Esses dois são ladrões e mentirosos! Eu coloquei meu trabalho no pendrive e fiz o que Carla disse que fez: copiei o trabalho para o computador do xerox para imprimir. Certamente os dois pegaram de lá!
Teodora:
- Vou dar 0 para todos os três. A não ser que me digam quem é o verdadeiro autor. O trabalho é individual, só pode haver um verdadeiro autor. Se os três fizeram juntos, o trabalho é inválido. Se um só fez e os outros copiaram, então o trabalho é valido. Nesse caso, quem fez merece os pontos. Os outros nada merecem. Inclusive, são passíveis de punição pela secretaria do curso.
- E o princípio doin dubio pro reo? Melhor absolver um culpado que condenar um inocente. Ele não se aplica para nossa disciplina? -- perguntou Cornélio.
- Por mais desgosto que eu tenha ao deixar dois culpados impunes, acredito que seja melhor isso do que punir um inocente. O que seria de uma sociedade democrática se um cidadão de bem não pudesse confiar que a justiça não lhe falharia? De todo modo, acho que vocês estão mentido.
- Rômulo e Cornélio estão de fato. -- disse Carla.
- Não é isso. Acho que os três fizeram o trabalho juntos. Agora orquestraram esse dilema para ganharem os pontos!
- Que provas tens disso, professora? -- perguntou Rômulo -- E a inocência presumida? Estou te dizendo que sou inocente. Devo ser tratado como tal até que se prove o contrário! Não haverão provas, pois a minha inocência é um fato.
- Tá. Mas não acredito nessa estória suas!
- Professora, acha que nossa história não é plausível? -- perguntou Carla -- Você acha impossível um desses dois terem pego meu trabalho lá no xerox? Eu consigo pegar o trabalho de quase qualquer pessoa da turma lá!
- Plausível é. Mas vocês três tem a mesma estória. No mínimo dois estão mentindo!
- Então professora, como você vai decidir quem aqui é inocente e quem é culpado? -- perguntou Cornélio.
- Com muito desgosto eu vou ser obrigada a dar total para os três. O trabalho estava muito bom. Merece total. Não posso prejudicar um inocente para conseguir punir dois criminosos.
- A senhora é justa, professora. -- disse cada um do seu jeito.
Os três alunos foram curtir suas férias. A professora passou as férias matutando o que poderia fazer. Conversou com outros professores. A maioria argumentou que aluno não tem direito. Muitos a acharam muito inocente. Uns poucos concordaram. A maioria achou graça.
No semestre seguinte, depois das férias, o xerox passou a exigir cadastro e senha para usar seus computadores.