EMPACOTADOR DOS SONHOS Sou um excelente empacotador. Já fui funcionário do mês e tudo mais; de modo que já cheguei ao topo do que chegaria em minha profissão. Ainda assim, preciso do pão nosso de cada dia, amem. As horas passam devagar no transito; ainda mais na manhã de segunda-feira. Ainda mais quando se vai para um lugar onde não se quer chegar! Pensei numa forma de evitar o meu destino: um acidente de trânsito. Acontece todos os dias de pessoas não poderem chegar ao destino devido a um acidente. Nesse tipo de evento a gente conversa com pessoas, ao invés de pacotes. Excelente troca! Já que vou bater, pensei, vou bater na mulher mais bonita que eu encontrar. Logo no primeiro pálio que passei vi uma candidata, no uninho ao lado tinha uma mocréia. Prefiro empacotar, sério mesmo. Eu ainda passei por um sem noção fazendo barba até encontrar a mais bonita da rua. Uma loirinha com cara de safada dirigindo um audi; é bom que ela tem dinheiro pra pagar. Deixei a gatinha passar, acelerei a brasilia e dei na traseira. Acordei num leito de hospital. Me disseram que a minha sobrivência foi um milagre da medicina. Um milagre! Mãe tava chorando ao meu lado quando acordei. Ela me perguntou o que aconteceu, porquê eu não coloquei o cinto igual ela sempre me aconselhou. É verdade, ela me aconselhava essas coisas mesmo. Eu devia ter ouvido, vacilei. Quando os médicos me contaram o que houve, achei que tinha sido algo grave, mas parece que só cortou as tripas num lugar que nem dá para ver. Nada que um milagre da medicina não pudesse consertar. Pra mim, só fiquei uma semana e meia no hospital, mas me disseram que foi pra lá de mês. Será que o patrão aceita a licença médica? Será que eu recebo salário tendo ficado aqui todo esse mês? E por ser o milagre da medicina, será que recebo algo? Tenho que ver essas coisas. Saindo do hospital eu encontrei um moço muito bravo que disse que estava me esperando. Geralmente as pessoas quando esperam as outras no hospital o fazem para o bem, mas acho que esse aí estava torcendo para que eu morresse. Ele falou assim: _ Vou te fazer uma crítica construtiva, seu filho da puta! Aprende a dirigir o carro e para de usar droga! Fizeram o teste e você não tava bêbado de bebida alcoolica. Mas eu sei que você tava bêbado de alguma coisa! _ Quem é o senhor? _ Eu sou o marido da minha mulher, que você bateu na rua através da sua direção maníaca e imprudente! Ela estava grávida seu filho da puta! _ Ela perdeu o nenem? _ Perdeu não, mas ficou com uma dor nas costas que até hoje ela faz fisioterapia. Se você tivesse matado meu filho, eu tava te processando era por assassinato. A gente nem tava aqui tendo esta conversa! Eu teria te matado com uma escopeta! _ Menos mal, me desculpe. Quanto ficou o conserto do carro? É que eu não tenho seguro... _ Você não tem seguro! Eu estou te processando, eu vim aqui só pra te dizer isso! Vou pegar tudo que você tem, até a porra do barraco em que você mora! Ele foi embora enfoguetado. Uma semana atrás eu estava indo empacotar no trabalho. Agora, fiquei uma semana no hospital e depois vou para o tribunal resolver a minha causa. Eu nunca tinha ido antes num tribunal, acho que vou ter que arrumar um terno, pelo menos uma roupa social. Agora é uma nova aventura, alguma coisa que não envolve pacote nenhum. Fui para casa pensando no que eu ia falar para o juiz. A gente precisa se preparar para essas coisas, amanhã é um dia todo novo.